Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho: motivos, aplicação e efeitos

Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho: motivos, aplicação e efeitos

Dra. Jéssica Aparecida Weber Kerber

Muitos já ouviram falar sobre a Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), onde o empregado é quem confere a justa causa ao empregador, mas em que ocasiões ela se aplica?

As hipóteses são taxativas na CLT, senão vejamos:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

  1. forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

Neste caso a situação mais comum nos contratos de trabalho, é a que o empregador exige que o empregado exerça atividades diversas daquelas que constam especificadas no contrato de trabalho. Nesse caso, além de pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho o empregado poderá pleitear o direito a equiparação salarial, quando observados os requisitos do Artigo 461 da CLT e danos morais a depender da situação.

Acerca dos “bons costumes” deve-se entender como atividades que são exigidas pelo empregador, mas que podem ferir a moral do obreiro, indo contra a ética moral e profissional. Como exemplo: a empresa que impõe aos empregados que violem a legislação com o intuito de ludibriar seus clientes. Nesse caso, também caberá indenização por danos morais.

  1. for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

O rigor excessivo é o conceito mais abrangente, caracteriza-se por inúmeras situações relacionadas principalmente a questões de assédio moral (quando há uma perseguição direcionada à um determinado trabalhador no desempenho de suas atividades de forma reiterada) e danos morais (em caso de ofensas graves, ameaças constantes de demissão, situações que possam abalar a saúde emocional do trabalhador, limitações ao uso do “banheiro” ou restrições alimentares).

Entretanto no caso dessa alínea, caberá a análise do julgador no caso concreto com base nas provas produzidas no processo, além da gravidade da situação descrita pelo trabalhador.

  1. correr perigo manifesto de mal considerável;

A alínea em comento pode ser utilizada em casos em que o trabalhador tenha sido colocado injustamente e fora dos limites do contrato de trabalho, a um mal considerável, como exemplo da situação, pode-se citar estabelecimentos comerciais que sofrem assaltos frequentes, sem que a empresa proporcione segurança aos funcionários, mesmo tendo conhecimento que a prática de assalto é comum no local, gerando riscos a integridade física dos seus funcionários. Ou casos em que o trabalhador mesmo laborando em altura não recebe os equipamentos de proteção e de segurança adequados a função, gerando risco de queda e até morte do trabalhador.

  1. não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

Esta é a hipótese legal mais aceita na Justiça do Trabalho e também mais fácil de ser comprovada, as vezes, mediante a simples apresentação de holerites, extratos bancários ou extratos de FGTS. Como no caso de atrasos reiterados nos salários, ausência ou atraso reiterado de FGTS na conta vinculada do trabalhador, férias não pagas e não usufruídas, não fornecimento correto do vale transporte que impede que o trabalhador se desloque ao trabalho, alteração de horários ou funções alheias ao que havia sido combinado no contrato de trabalho, sem a anuência expressa do empregado e que lhe gera prejuízos.

Frisa-se que cada hipótese será analisada caso a caso, portanto, existem outras hipóteses que poderão ser adequadas a alínea em questão, conforme análise do juiz.

  1. praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

Situação igualmente abrangente, cabendo ao julgador a análise no caso concreto, nessa hipótese também estão abrangidos casos de danos morais (por ofensas verbais, calúnia e difamação do funcionário), podendo ainda o trabalhador buscar reparação na esfera criminal e civil. Como exemplo funcionária acusada de furto no estabelecimento da reclamada, quando comprovadamente não o fez.

  1. o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

A alínea “f” se refere a uma das possibilidades de rescisão indireta do contrato de trabalho por parte do empregado, que ocorre quando o empregador comete falta grave prevista na lei, que torna impossível a continuação da relação empregatícia. Nesse caso específico, a rescisão indireta pode ser motivada pela ofensa física cometida pelo empregador ou seus prepostos contra o empregado, salvo em caso de legítima defesa própria ou de terceiros.

A lei trabalhista considera a ofensa física uma falta grave do empregador, pois configura uma violência que coloca em risco a integridade física e moral do trabalhador. É importante destacar que, para que a rescisão indireta seja caracterizada, é necessário que a ofensa seja grave e que torne inviável a continuidade da relação de trabalho, além de ter ocorrido sem que o empregado tenha dado motivo para a agressão.

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários;

A alínea em comento traz como objeto principal a redução salarial indevida, sendo que nesse caso o obreiro também poderá pleitear indenização por danos morais. A situação também abrange situações em que o funcionário é comissionado e a empresa modifica de forma proposital com o objetivo de lesar o trabalhador, impedindo que o mesmo tenha acesso a sua remuneração média mensal que garante o seu sustento e de sua família.

  1. Outros aspectos da Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho

Além das hipóteses taxativas, o trabalhador deverá estar ciente dos requisitos objetivos e subjetivos necessários para a configuração da rescisão indireta, como o nexo causal entre a conduta do empregador e a alínea indicada na rescisão; a gravidade da falta cometida; a imediatidade; ausência de perdão tácito e a razoabilidade.

Sobre a imediatidade – é necessário que o empregado comunique à empresa o seu desagrado sobre a situação e imediatamente ingresse com a reclamatória trabalhista tão logo ocorra a falta grave por parte da empresa em caso de lesão única (ofensas morais, coações, assédio moral e sexual à exemplo). O mesmo, entretanto, não se aplica em caso de lesões sucessivas (atrasos reiterados de salário e FGTS), uma vez que a caracterização da rescisão indireta para esses casos requer uma reiteração por parte da empresa, na quebra das obrigações.

Outro ponto importante é que diante da alegação de rescisão indireta caberá ao trabalhador a comprovação dos fatos narrados, sendo que em cada uma das hipóteses as provas serão produzidas individualmente e de acordo com o caso concreto, buscando a melhor adequação e o convencimento do juízo.

Para os casos que se enquadram na alínea “b” (empregado ser tratado com rigor excessivo por seus superiores), à exemplo de assédio moral e danos morais, as provas documentais (como e-mails, conversas de whatsaap, gravações e vídeos) são valiosas, e as testemunhais quase sempre imprescindíveis para que o magistrado conclua a favor da rescisão indireta.

Entretanto em caso de ausência de FGTS basta a demonstração pelo obreiro de que não recebeu os recolhimentos através de um simples Extrato do FGTS solicitado perante a Caixa Econômica Federal, sendo dispensada a necessidade de prova testemunhal.

Além das hipóteses taxativas, a jurisprudência tem admitido interpretações mais amplas sobre as alíneas, conforme o entendimento do magistrado em relação a situação concreta e provas realizadas no processo e principalmente gravidade da situação.

As cortes superiores vêm ampliando a aplicação do instituto, principalmente no que diz respeito à alínea “d” do artigo, hipóteses essas em que há a “quebra das obrigações do contrato pelo empregador”, e alínea “b” quando o empregado “for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”; considerando inúmeros comportamentos como falta grave passível de encerrar a relação laboral.

Ainda, nessa seara explica-se que nenhuma Convenção Coletiva de Trabalho e Acordo Coletivo de Trabalho, poderá dispor de regramentos e cláusulas contrárias e que diminuam os direitos dos trabalhadores comparadas ao que dispõe a CLT acerca desse e de qualquer outro tema, sob pena de serem declaradas nulas.

Destaca-se ainda, que nas hipóteses das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. Isso implica reconhecer que o obreiro ajuizando a reclamatória e informando a empresa da sua ausência devido à ação, poderá inclusive buscar um novo emprego com registro em carteira de trabalho. Nesses casos o abandono não será valido, caso aplicado pela empresa.

No caso de optar por parar de ir trabalhar, necessário se faz uma notificação informando o empregador, conjuntamente ao ajuizamento da rescisão a fim de não caracterizar o abandono. Tal cuidado deve ser observado pelo advogado escolhido para o patrocínio da causa.

  1. Dos direitos do empregado quando acolhidas as justificativas da rescisão indireta

A Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho, concede ao trabalhador o direito a sua rescisão na modalidade sem justa causa, sendo as verbas deferidas nesses casos:

a) saldo de salário;

b) aviso prévio;

c) 13º salário corresponderá a 1/12 da remuneração devida no mês da rescisão por mês de serviço.

d) férias proporcionais, férias vencidas, acrescidas de 1/3;

e) Direito a sacar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) acrescido da multa de 40% (quarenta por cento) paga pelo empregador sobre o valor do FGTS (caso o trabalhador tenha optado pelo saque aniversário o valor depositado ficará retido apenas para liberação nessa hipótese);

f) Seguro desemprego por guias ou alvarás (caso presentes os requisitos para a habilitação perante o órgão responsável);

Por fim, esclarece-se que a caracterização da rescisão indireta do contrato de trabalho, se dará somente através de reclamatória trabalhista, com sentença transitada em julgado. Outra hipótese de se conseguir os direitos concernentes a Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho é através de um acordo judicial firmado entre o trabalhador e a empresa, acordo este que também deverá ser homologado no judiciário para surtir efeitos.

Palavras chave: Rescisão indireta, CLT, reforma trabalhista, demissão indireta, pedido de demissão, justa causa, despedida indireta, justa causa inerversa, danos morais, assédio moral, fgts, salários.

Curitiba, 21 de February de 2024.

JÉSSICA APARECIDA WEBER KERBER

OAB/PR 84.479